Redemoinho – arfante retorno ao passado

José Luiz Villamarim, prodigioso em majestosas produções de tv como “O Rebu”, “O Canto da Sereia”, “Amores Roubados” e “Justiça”, faz seu début na tela grande com uma bela e concisa adaptação de “O Mundo Inimigo: Inferno Provisório Vol. II”, do mineiro Luiz Ruffato. Narrado em um único dia, véspera de Natal, mostra um homem, morador da cidade grande, de volta ao lar, à casa de sua mãe (Cataguases-MG), às nostálgicas ferrovias, e  ao reencontro com um velho amigo e uma verdade oculta dolorida.

A humanista e vivaz fotografia do extraordinário Walter Carvalho exibe na tela os pormenores de uma gente como a gente, que lava na pia a nuca suada pelo calor (num plongée belíssimo) e que aguarda na soleira da janela um lampejo de vivacidade num lugar aparentemente morto, mas cujas lembranças detonam uma eletricidade distribuída e homeopática, como nas pequenas luzes das simples árvores de natal. Carvalho também coloca o espectador no banco de trás do carro do protagonista. Há um momento antológico no qual os personagens deixam o carro por instantes enquanto ficamos “sozinhos” no banco de trás, observando a historia acontecer da maneira mais íntima possível.

O desenho de som é um trabalho de qualidade, fazendo o espectador sentir (ouvir) a mesma dificuldade auditiva do protagonista, um operador de máquinas usuário de um aparelho de surdez. Carvalho evita tomadas aéreas e abrangentes de Cataguases, mas a forma como a câmera percorre a cidade, fazendo o espectador embarcar como se estivesse em um trem, perfusa a localidade de maneira vagarosa, criando uma mise-èn-scéne criativa e detalhada, deixando quem assiste ao filme sentir-se ali, debaixo daquela chuva, nos trilhos da ferrovia.

Os personagens vivem numa velocidade típica de lugarejos, arrastando-se no marasmo e em suas solidões, carregando em seus sotaques a candura de um povo à espera de uma novidade. Eis que chega o personagem de Júlio Andrade (mais uma atuação vibrante deste grande ator), imprimindo uma nova aceleração (ele chega de carro) e uma urgência para o entorno daqueles seres quase mortificados pela vida repetitiva.

O trabalho de sotaques de todo o elenco é assombrosamente verossímil. Somente um grande diretor consegue um feito deste nível. Cada um dos quatro protagonistas é de um estado brasileiro: Dira Paes é do Pará, Júlio Andrade é gaúcho, Irandhir Santos é de Pernambuco e Cássia Kis Magro é paulista. E todos estão lindamente conectados e amarrados através do acertado sotaque mineiro. Irandhir Santos, numa das poucas vezes em que conseguiu fugir do linguajar pernambucano, alcança uma interpretação singular na pele de um homem conformista. Dira Paes encarna uma ex-prostituta com tanta dignidade e carisma, olhares palpitantes típicos das atrizes grandiosas. Cássia Kis Magro na pele de uma mãe combalida, alquebrada pela vida, é um momento inesquecivel do cinema brasileiro em 2017. E ainda é possível maravilhar-se com rápidas e cativantes aparições da baiana Cyria Coentro e da mineira Inês Peixoto (integrante do grupo Galpão) em momentos luminosos.

“Redemoinho”, apesar do que o título possa sugerir, não é sobre vendavais estrondosos, nem tempestades destruidoras. É sobre o ruído da chuva fina e emocional que permeia os interiores arfantes de seres em busca de suas verdades.

por Paulo Neto

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